anteontem foi um dia triste

anteontem não ficamos felizes.

nós, que acreditamos que outro mundo pode ser possível se emergir da vontade daquelas que sempre estiveram por baixo. que acreditamos que todas as formas de vida são formas válidas, que existe outro jeito de organizar as cidades, as relações, os mundos.

anteontem ficamos tristes porque elas, elas mesmas, aquelas de sempre, que de caravela, de camburão ou de helicóptero, têm se empenhado com afinco para manter as coisas assim, para que o mundo siga sendo como sempre foi: cinza e cheio de quadrados, elas deram um soco grande no nosso estomago, uma facada em nossos corpos, uma ruptura nos nossos corações. elas golpearam de novo.

e veja bem, um golpe em si não é um problema.
olho com desconfiança pra quem branda contra golpes por serem simplesmente “golpes” ou ofenderem a “democracia”.
ledo engano, companheiras, a democracia em si é um golpe, seu surgimento golpeou forte o autoritarismo. ela não é “escolha da maioria” nem foi votada.

a democracia do brasil, tão frágil, quase inexistente, ainda escrita a lápis quase sem encostar no papel, foi conquistada a sangue e morte. foi um golpe duro na ditadura.
um contra-golpe.
autoritário, sim.

então, o problema não é dar um golpe “ilegal” – porque a legalidade se faz à revelia de nós, e por vontade delas.

fomos dormir exaustas e cabisbaixas, desesperançosas e tristes porque foi um golpe duro contra quem sonha.
um golpe duro contra quem faz os corres diários pra se manter vivo – e ainda samba no fim de semana.
foi um golpe duro contra quem precisa lutar (as vezes, literalmente) pra continuar existindo.
foi um golpe duro nas mulheres, que só se tornaram gente há pouco tempo e já gostaram tanto que ser mais uma vez relegadas ao papel da beleza, do recatamento e do lar parecem absurdos de séculos passados.
foi um golpe duro contra as infinitas formas de ser e estar no mundo.

é por isso que se chora e se luta.

porque os homens brancos e ricos e velhos e sonegadores e escravocratas e traficantes e arrendadores e latifundiários e fundamentalistas e homofóbicos e conservadores venceram.

não que eles estivessem tristes e oprimidos no governo dilma, esse dos megaeventos e do arrego para a bancada evangélica, da força nacional e da lei antiterrorismo. a questão é que agora eles estão ganhando de fato, sem intermediários, sem negociatas, sem chantagens, sem contradições, sem incômodos, sem a cor vermelha.

eles estão onde sempre estiveram e onde seguirão estando até que de lá sejam arrancados – não escrevendo “fora” em copos do starbucks , mas contragolpeando sua soberania. eles vencem porque eles próprios escreveram as regras do jogo, mais que isso, eles ganham porque eles inventaram o jogo. e o golpe parlamentar nos mostra o que partes de nós sempre dissemos: não se deve jogar, se deve virar a mesa e derrubar todo o tabuleiro.

o jogo deles, mas o sorriso é nosso.

a vontade – e a necessidade – de um outro mundo são de quem já não pode viver nesse aqui.

se anteontem foi um dia triste, é porque, como disse Millôr, temos “muito passado pela frente”.
mas construir outro futuro é tarefa de quem o deseja.

se fomos pra rua com tristeza e raiva,
é porque elas foram pra casa brindar com alegria e alívio.

e a alegria de quem oprime é intolerável.

foi triste, mas a alegria nos pertence.
porque é nossa arma, nossa exclusividade e nossa potência. o afeto, o sonho e a alegria são nossas forças políticas mais importantes. são nossos melhores quadros.
e eles? “eles são uma coisa escura”

é triste.
é mais triste do que parece.
o futuro próximo é sombrio, aterrorizante, inimaginavelmente absurdo.

mas sempre foi assim.
e nós sempre demos um jeito.

é a luta que transforma.
o resto só ilude.

sigamos, a saída é sempre pela esquerda

Guilherme Ulema
@hotmail.com
.wordpress.com

 

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