postura de não-discussão

faz tempo que penso nisso, que essa questão me habita, que faço reflexões e me dedico a pensar, individualmente e junto das minha companheiras de militância, de vida e de estudo, sobre como agir nesse mundo de estímulos constantes, de bolhas algorítmicas e vieses de confirmação.

como meu agir nesse mundo não é nunca sozinho, há tempos propus entre os meus e minhas que pensássemos em uma postura “oficial” e, sobretudo, coletiva , para agir nas redes – principalmente nesse cenário polarizado de discussões, debates e lacrações.

penso, pois, que existem dois comportamentos possíveis para mim:

a postura do debate incessante

comprar briga, discutir e argumentar com as pessoas, sobretudo as pessoas abertamente liberal-conservadoras, tentando fazê-las entender de que lado se colocam e desconstruir, no argumento e na ciência, suas falácias, seus enganos, suas mentiras.

por muito, muitíssimo tempo, eu agi assim. em cada post machista-homofóbico, um comentário meu; em cada defesa das ações nefastas da direita, uma contraposição, um dado, um link; em cada texto indignado pedindo privatização ou pena de morte, um texto enorme de resposta.

me sentia bem. e me sentia bem porque é muito fácil.

o pensamento liberal-conservador é o pensamento-base que fundamenta não só a elite do brasil, mas toda a democracia ocidental, logo, é o pensamento mais senso-comum na política, facilmente comprado por quem tem pouco acesso à informação (ou por quem se beneficia desta estrutura, mas isso é outro post) e facilmente desconstruído por minutinhos de google.

assim, debater, provocar, responder, argumentar é não só uma tarefa fácil, mas algo que por muito tempo me deixava feliz, ansioso, satisfeito por puro ego (“olha aqui eu, que espertalhão, demonstrando que é feio matar mulheres e pessoas lgbt”).

mas a militância lacradora da internet não é meu chão – ou, pelo menos, não é onde quero pisar.

a atuação política de praticamente toda essa “direita-senso-comum liberal-conservadora” (entre aspas porque nem ativamente de direita é esta maioria, mas é anti-socialista por interferência da ideologia do capital) não passa de correntes de whatsapp, texto em blog e compartilhamento (geralmente descontraído e debochado) na internet. é essa galera que tem tempo, disposição e vontade de discutir na internet, de fazer meme agressivo, de procurar links e construir respostas.

quero dedicar minha disposição, minha saúde, meu tempo pra uma militância real e mais profunda onde a internet seja, no máximo, um meio de potencializar aquilo de resistente que se constrói nos locais onde atuamos e nunca um fim em si mesma.

cada dia que a gente se dedica a debater sobre economia na internet, vinte e oito mil pessoas morrem de fome; a cada minuto que a gente busca dados, corre pra mostrar pesquisas, comprova a violência contra a mulher pra alguém que fez uma piadinha na internet, tem mais cinco sofrendo violência e uma morrendo no mundo.

ser de esquerda é viver desconfortável porque a gente tem pressa em ajudar a resolver a merda que tá esse mundo. todo segundo conta, toda ação é importante.
desperdiçar tempo e energia na internet é o contrário disso.

por isso, escolho outra postura:

a postura de não-discussão

  1. não comentar em nenhum post, por mais absurdo que ele seja, que venha a confrontar o queu penso e acredito, mesmo que seja recheado de inverdades, dados errados ou bobagens.
  2. em casos de alguém aberto ao diálogo, responder com o link para esse texto.
  3. responder com o link pra esse texto qualquer comentário feito a mim, a algo que eu disser ou postar ou fizer na internet.

são pequenas ‘regras’ que quero tentar, pouco a pouco, segurando o sangue-quente, incorporar ao meu dia-a-dia nos raros momentos de redes sociais a fim de preservar minha saúde mental, otimizar meu tempo e, sobretudo, deixar a militância política, a propaganda e o debate para os locais que são deles de direito: a rua, a universidade, a escola, o bairro, o trabalho, o dia-a-dia junto aos de baixo.

porque é importante, também, entender esta postura de não-discussão não como uma omissão e indiferença ao conservadorismo galopante que avança e nos sufoca, desde os palácios até as casas comuns, mas como uma estratégia de enfrentamento nos locais e nos momentos apropriados.

porque, sim, a classe trabalhadora, em geral, passa muito longe dos nossos saberes acadêmico-científicos e das nossas sensibilidades com lutas identitárias. os trabalhadoras e trabalhadores, em geral, estão muito mais alinhadas, política e discursivamente, ao discurso sedutor e violento da direita do que à “nossa” humanidade.

não se desconstrói dois mil anos de propaganda do capital na base da omissão, do isolamento.

optar por não discutir na internet não é nem pode ser escolher viver em uma bolha burguesa-universitária-militante-desconstruída e isolar-se do conservadorismo ainda presente no cotidiano popular. não pode ser escolher tampar os olhos pro crescimento do fascismo como ideário nas classes médias e baixas.

optar por não discutir na internet é usar todo o tempo e a disposição para fazer política nos locais onde estamos, em nosso dia-a-dia, com nossas familiares e amigas, com nossas professoras e colegas e alunas, com as estudantes e trabalhadoras que dividem conosco seus dias, com nossa família e nossos desafetos… é escolher ativamente priorizar isto ao invés do vazio lacrador do ciberespaço.

por isso, a partir de hoje, escolho me omitir da discussão gritada no campo virtual.

nas ruas, nas praças, nas greves e nos piquetes, na universidade ou no trabalho, seguimos debatendo e construindo outro mundo.

 

Guilherme Ulema
@hotmail.com
.wordpress.com

 

 

 

 

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