visões

o gari que tem uma longa barba branca sempre varre a ciclovia na hora que passo por ela. me vê de longe, se coloca na calçada, arreda o montinho de folhas e estende o braço, sinalizando a passagem livre.

sempre diminuo. aceno com a cabeça. bom dia!

a mulher que trabalha na central de correspondências no prédio-cartão-postal onde trabalho fica sempre na frente do elevador. todo dia aperto o 6 e trocamos olhares até ele chegar. ela sorri, eu também. bom dia, sem dizer.

eu vejo a pontinha, só um pedacinho, da torre da usina enquanto caminho até a porta do prédio. dou oi, sorrio. te amo, cidade, meu amor, minha dor, nosso trabalho.

quando to com vontade de andar um pouquinho mais de bici, não dobro à esquerda na habitual esquina, sigo reto até dar de cara com o quilombo fidélix. paro na frente, olho. umas vezes o tarcisio tava na entrada e acenou, deu um sorriso.

paro sempre ali lembrando de quando, mascaradas e assustadas, fizemos uma reunião pra escutarem minha ideia de tcc. que patética que era a vida. obrigado e boa tarde.

a senhora, vizinha de porta, a única companheira de andar, sorri nos dias ruins e anima o mundo nos dias bons. sempre oi, como vai, como anda, bom te ver!.

como será que tá aquele bebê que nasceu em fevereiro de 2020 e cujo começo de vida eu vi todinho pela janela? os pais acordados cedo da manhã (acho que só tinha nós de pé no bairro), as noites de choro, os primeiros passos se escorando no vidro como se estendesse a mão em aceno a minha alegre torcida…

em uma quinta-feira eu prometi pra thainá que na semana seguinte, quando fôssemos de novo na informática, ia ensinar ela como coloca a página colorida no word. nunca teve a semana seguinte. será que ela aprendeu? tomara.

no dia 8 de setembro de 2014 eu escrevi uma carta pra mim mesmo, pra abrir em 2029, 15 anos depois. lembro de muito pouco do que tem lá, mas agora ja tá mais perto do dia de abrir do que do dia que selei. guardo a carta na primeira gaveta do meu quarto.

do pouco que lembro, sei que dediquei um parágrafo inteiro me perguntando se esse gui-do-futuro tinha cumprido a promessa que fazia diariamente pra si mesmo: não esquecer. não se perder. não se trair.

vamos conversar? comente!